LOURENÇO ARAÚJO LIMA, na Betânia de1964 a 1967
Quero inicialmente agradecer a Deus por mais esta oportunidade de manter contato com colegas e contemporâneos de Seminário.
Nasci no distrito de Gásea, município de Ipueiras. Ali vivi até meus 16 anos
quando vim para sede do município, a fim de estudar.
Fiz uma prova e fui classificado para o terceiro ano primário. Lembro-me que a
minha simpática professora, Dona Maria Eliza, disse: tem outro rapaz aqui que tem certa dificuldade e assim não teremos
maiores problemas. Era no mês de abril. Felizmente em junho, quando fizemos
as provas, fui classificado em segundo lugar da turma e, no final do ano,
obtive o primeiro lugar.
Ao começarmos o quarto ano, numa turma muito grande, eu e alguns colegas tivemos a oportunidade de uma
nova prova e, assim, deixamos de ser alunos da Dona Rute e passamos a estudar
com Dona Augusta, no admissão.
No mês de outubro, o meu colega Macário Galdino, também do Distrito de Gásea,
que já estava no Seminário, convenceu-me
a falar com o nosso Vigário, Padre Belarmino, manifestando meu interesse de ser
seminarista. Confesso que, até então, não havia pensado nisto. Meu sonho era
estudar e ser alguém na vida.
Sou o filho mais velho de uma família de 12 irmãos, todos vivos. Também, para a
nossa felicidade, são vivos os nossos pais.
Gostaria de, com muito orgulho, ressaltar a personalidade do meu pai, que no
dia 13 de setembro deste 2014 completou 97 anos. Este homem, com seu modo simples, dizia-nos sempre que a
maior riqueza que um pai deixava para um filho era o saber, riqueza que ninguém
nos rouba e, quando morremos, a levamos
conosco. Sou eternamente grato ao meu querido pai pelos sacrifícios que
enfrentou para que eu estudasse, pelas lições de vida que me ensinou.
Fiz prova para o seminário e fui aprovado no exame de admissão. Assim, em
fevereiro de 1964, ingressei no Seminário São José de Sobral.
Logo veio o golpe militar de 31 de março, e já perdíamos o nosso Reitor, Padre José Linhares, que teve de exilar-se na Alemanha..
No primeiro ano, além das aulas normais,
havia uma nova matéria que nos foi
ministrada pelo Padre Osvaldo.
Chamava-se Conhecimentos Gerais. Nesta aula, podíamos perguntar o que
quiséssemos. Lembro- me que o colega Fernando Linhares, irmão do nosso Reitor,
fez a seguinte pergunta: “o que é o soluço?” E o Pe. Osvaldo, com o seu vasto
cabedal de conhecimentos, respondeu: “é apenas um espasmo do diafragma”. Passados
alguns anos, quando eu estudava fisiologia da digestão, me deparei novamente
com o soluço, e lá estava a mesma definição do Padre Osvaldo. E mais uma vez pude reverenciar a lembrança do
nosso grande Mestre. Tempos depois, em
um de nossos encontros, relatei-lhe o fato, e ele, na sua simplicidade, disse: “menino, e eu sabia isto?”
Segundo ano de seminário, Reitor Padre Sadoc. Muitas mudanças, algumas boas,
outras não muito agradáveis.
Terceiro ano, Padre Zé de volta da Alemanha, cheio de novas ideias e conceitos,
reassume a reitoria. Foi neste mesmo ano que eu e João Ribeiro, irmão e
companheiro de lutas, glórias e infortúnios, juntamente com Francisco Paulo
Monteiro, fomos alfabetizar adultos no bairro Dom Expedito, curato de São
Pedro, onde o Padre Osvaldo pastoreava o povo de Deus. Foi uma experiência e
tanto, uma de nossas muitas ações para salvar o Brasil.
No quarto ano, não mais estudamos no Seminário, fomos para o Colégio
Sobralense, mas continuávamos morando na Betânia.
E foi em dezembro de 1967 que o Casarão fechou as suas portas, e os poucos seminaristas que continuaram foram morar no Abrigo Coração de Jesus. E o Casarão da Betânia se tornou a nossa eterna saudade, ele que fora testemunha dos nossos melhores sonhos.
No final do ano teríamos a festa de formatura dos humanistas, como eram
chamados os alunos que terminavam o quarto ano ginasial. Resolvemos por votação
prestar homenagem póstuma a Che- Guevara, guerrilheiro argentino morto naquele
ano. Qual foi a nossa surpresa, além de não termos festa, ainda fomos ameaçados
de prisão.
No ano seguinte, fui estudar em Fortaleza, leigo agora ligado à Diocese de
Crateús, cujo bispo Dom Fragoso era considerado comunista pelo regime militar.
No ano seguinte resolvi tentar a vida no Rio de Janeiro. Por aqui novamente me
encontrei com meu querido irmão João Ribeiro, que já estava de malas prontas
para retornar a Sobral. Assumi o emprego que era dele e ali permaneci até
completar meus estudos na Faculdade de Veterinária.
Hoje , 38 anos depois, formado, continuo a exercer a profissão com o mesmo
entusiasmo de quando comecei.
Sou grato por tudo que aprendi no Seminário, não só no aspecto intelectual, mas principalmente no que tange aos valores morais. A todos aqueles que ajudaram na construção da minha história a minha eterna gratidão.
Tenho um casal de filhos também formados em Veterinária. Estou realizado,
obrigado aos meus irmãos e a todos aqueles que fizeram ou fazem parte de minha
vida.
Por último quero prestar uma homenagem sincera ao meu irmão e colega João
Ribeiro, que admiro e respeito. Ao incansável Aguiar Moura, meu carinho,
gratidão e reconhecimento por sua dedicação à causa betanista.
Obrigado a Deus por vocês fazerem parte da minha história.
LOURENÇO ARAÚJO LIMA, de Ipueiras, Médico Veterinário, residente no Rio de Janeiro